Entre a Biopolítica e o Necropoder

Esta é a primeira parte de um artigo dividido em dois. Num primeiro momento, desenvolveremos algumas considerações gerais a respeito da noção de biopolítica e de como esta se relaciona ao crescente fenômeno de pandemia da COVID-19. Em seguida, passaremos a uma análise mais particular concernente às relações entre as mortes causadas pelo vírus e as técnicas políticas de extermínio, à luz da teoria da necropolítica elaborada pelo intelectual camaronês Achille Mbembe.

O ano de dois mil e vinte principiou com um cenário cujo enredo parece ter sido extraído de uma engenhosa obra de distopia.  Ruas e avenidas que antes assistiam a um incessante tráfego de veículos e transeuntes quedaram-se desertas; pessoas se viram na necessidade de permanecer isoladas em suas residências, em regime de confinamento e quarentena; escolas, universidades e shopping centers foram todos fechados; àqueles a quem não foi conferida a possibilidade de permanecer confinados valeram-se dos meios necessários para afugentar o quanto possível o inimigo invisível que se lhes rodeava: máscaras, luvas e materiais antissépticos passaram a compor alguns dos itens essenciais deste “kit de sobrevivência” — o que talvez explique o exacerbado aumento de até 700% [1] no valor de produtos como álcool em gel (mais uma demonstração das pretensas benesses operadas pela “virtuosa” mão invisível do mercado…).

O elemento subjacente a todo esse cenário aparentemente escatológico escapava, no entanto, a qualquer previsibilidade mais apurada. Trata-se de uma nova enfermidade viral altamente contagiosa provocada por uma cepa transmutada oriunda da família de vírus conhecida como “coronavírus”. Embora esta família já fosse largamente conhecida pelos cientistas, essa novel cepa, identificada pela primeira vez no início do ano em Wuhan, na China, ainda não havia se manifestado em seres humanos. 

O ano de dois mil e vinte principiou com um cenário cujo enredo parece ter sido extraído de uma engenhosa obra de distopia.  Ruas e avenidas que antes assistiam a um incessante tráfego de veículos e transeuntes quedaram-se desertas; pessoas se viram na necessidade de permanecer isoladas em suas residências, em regime de confinamento e quarentena; escolas, universidades e shopping centers foram todos fechados; àqueles a quem não foi conferida a possibilidade de permanecer confinados valeram-se dos meios necessários para afugentar o quanto possível o inimigo invisível que se lhes rodeava: máscaras, luvas e materiais antissépticos passaram a compor alguns dos itens essenciais deste “kit de sobrevivência” — o que talvez explique o exacerbado aumento de até 700% [1] no valor de produtos como álcool em gel (mais uma demonstração das pretensas benesses operadas pela “virtuosa” mão invisível do mercado…).

O elemento subjacente a todo esse cenário aparentemente escatológico escapava, no entanto, a qualquer previsibilidade mais apurada. Trata-se de uma nova enfermidade viral altamente contagiosa provocada por uma cepa transmutada oriunda da família de vírus conhecida como “coronavírus”. Embora esta família já fosse largamente conhecida pelos cientistas, essa novel cepa, identificada pela primeira vez no início do ano em Wuhan, na China, ainda não havia se manifestado em seres humanos. 

A COVID-19, designação então conferida a essa inédita enfermidade, encontra-se hoje em estágio pandêmico, o que significa dizer que sua disseminação se espalhou e vem se consolidando em todas as regiões do globo, com transmissão amplamente sustentada. Muito embora as estatísticas de letalidade provenientes desta enfermidade possam parecer baixas — estima-se mundialmente que apenas 3,7% [2] das pessoas que a contraem vêm a óbito, enquanto no Brasil o índice até o momento perfaz os 2,7% [3] —, o problema reside na alta transmissibilidade do vírus, o que engendra uma procura potencialmente maior por assistência médica e internação hospitalar, não raras vezes conduzindo a um completo colapso do sistema de saúde em razão da impossibilidade de suportar toda procura simultaneamente. É exatamente esse o cenário que se apresenta hoje na Itália, país que registrou, somente neste sábado (28/03), cerca de 6 mil novas confirmações e 889 novos óbitos, passando ao assustador montante de quase 98 mil casos confirmados e 10 mil vítimas fatais.

A COVID-19, designação então conferida a essa inédita enfermidade, encontra-se hoje em estágio pandêmico, o que significa dizer que sua disseminação se espalhou e vem se consolidando em todas as regiões do globo, com transmissão amplamente sustentada. Muito embora as estatísticas de letalidade provenientes desta enfermidade possam parecer baixas — estima-se mundialmente que apenas 3,7% [2] das pessoas que a contraem vêm a óbito, enquanto no Brasil o índice até o momento perfaz os 2,7% [3] —, o problema reside na alta transmissibilidade do vírus, o que engendra uma procura potencialmente maior por assistência médica e internação hospitalar, não raras vezes conduzindo a um completo colapso do sistema de saúde em razão da impossibilidade de suportar toda procura simultaneamente. É exatamente esse o cenário que se apresenta hoje na Itália, país que registrou, somente neste sábado (28/03), cerca de 6 mil novas confirmações e 889 novos óbitos, passando ao assustador montante de quase 98 mil casos confirmados e 10 mil vítimas fatais.

O presente texto, longe de qualquer pretensão de exaurir o debate, pretende problematizar, à luz de alguns aportes teóricos desenvolvidos pelo intelectual francês Michel Foucault e pelo intelectual camaronês Achille Mbembe, qual racionalidade que subjaz e configura o imaginário coletivo e a práxis política relativamente a este novo e preocupante fenômeno de pandemia da COVID-19.

O presente texto, longe de qualquer pretensão de exaurir o debate, pretende problematizar, à luz de alguns aportes teóricos desenvolvidos pelo intelectual francês Michel Foucault e pelo intelectual camaronês Achille Mbembe, qual racionalidade que subjaz e configura o imaginário coletivo e a práxis política relativamente a este novo e preocupante fenômeno de pandemia da COVID-19.

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Fonte: Justificando